REMANSO

Hiperbreves
Ruídos sempre lhe atazanaram os sentidos. Sempre houve zunimento na sua cabeça, que muitos insistiam em panfletar, era oca. Oco mesmo era o sentido disso tudo. Quem foi que lhe presenteou – em absoluto gesto de crueldade - com tais ruídos? Ele queria dormir, jogar-se ao mundo dos prazeres leves, de barulhos mais aprazíveis: canção cantada à capela, em quase murmúrio, risinho miúdo de criança em pleno exercício da traquinagem, sua pele roçando pele outra. Não houve médico que desse jeito nele. De menino doente, passou ao adulto doente de enfermidade que ninguém conhecia, nem os cientistas, tampouco as benzedeiras. As pessoas falavam com ele, mais por curiosidade do que por interesse em sua pessoa. Delicadamente, ele explicava que não conseguia entendê-los, porque os ruídos não lhe permitiam prestar atenção a ninguém. Não tardou para conhecer a mais absoluta e barulhenta solidão. Um dia, mergulhou no rio, e foi tão fundo, que os ruídos silenciaram. Não quis mais de lá sair. Silenciou-se.

| Carla Dias |


Imagem: The Key © Jackson Pollock

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